Obesidade infantil: o que o consumo de adoçantes na gravidez tem a ver com isso?

Obesidade infantil: o que o consumo de adoçantes na gravidez tem a ver com isso?

Quando se fala em obesidade infantil, a primeira imagem que muitas pessoas têm é a de crianças que comem mal e passam horas em frente às telas, sem brincar ou gastar energia. Embora esses fatores sejam importantes, o assunto é bem mais complexo e começa antes mesmo do nascimento. Estudos sobre o tema mostram que a alimentação da mãe durante a gravidez, e até mesmo o tipo de bebida que a mãe consome, podem influenciar diretamente a saúde do bebê no futuro.

Um artigo científico recente reforça justamente esse ponto: pesquisadores encontraram indícios de que o consumo de bebidas contendo adoçantes durante a gravidez pode se associar não só ao maior IMC (Índice de Massa Corporal) do bebê no primeiro ano de vida, mas também a alterações na microbiota intestinal da criança. Esse é um alerta importante para quem acha que “um pouquinho” de refrigerante diet ou adoçante no café não faria diferença.

Por que a obesidade infantil é uma doença crônica?

Obesidade é uma doença crônica que pode trazer consequências graves à saúde, tanto na infância quanto na vida adulta. Crianças obesas têm maior risco de desenvolver diabetes tipo 2, hipertensão arterial e problemas cardíacos precocemente, isso sem contar o impacto na autoestima e no desenvolvimento social.

O que torna a obesidade ainda mais difícil é o fato de ser multifatorial: genes, alimentação, rotina de atividade física, ambiente familiar e até mesmo aspectos psicológicos entram no jogo. Uma vez que o peso fica muito acima do ideal, retomar o equilíbrio costuma exigir muito esforço.

Alimentação materna e desenvolvimento do bebê

É na gestação que o organismo do bebê se forma e se fortalece para enfrentar o mundo exterior. Nesse período, tudo o que a mãe ingere pode, de alguma forma, influenciar o desenvolvimento fetal. Isso inclui vitaminas, proteínas, gorduras, açúcares e também ingredientes como adoçantes artificiais.

Embora muitas pessoas imaginem que o consumo de refrigerantes diet ou adoçantes “sem calorias” seja inofensivo, essas coisas não são tão simples. O corpo da gestante passa por mudanças intensas, e qualquer substância ingerida em excesso, inclusive as consideradas “sem calorias”, pode estimular mecanismos que afetam a regulação de peso da criança mais tarde.

Além disso, o ambiente em que o bebê cresce, especialmente se há presença de inflamações ou alterações hormonais causadas por hábitos alimentares, pode repercutir no seu desenvolvimento. É por isso que muitos profissionais de saúde enfatizam a necessidade de uma alimentação equilibrada e minimamente processada para mulheres grávidas.

Vitaminas para gestantes

Principais achados do estudo científico

Um estudo publicado na revista Gut Microbes acompanhou 100 bebês e analisou como a alimentação das mães durante a gravidez poderia influenciar a saúde dos filhos.

Os pesquisadores compararam duas realidades: um grupo de mães que consumia bebidas artificialmente adoçadas (BAA) todos os dias e outro grupo que não consumia esse tipo de bebida.

Ao observar o crescimento dos bebês e analisar exames ao longo do primeiro ano de vida, alguns resultados chamaram a atenção.

Como o estudo foi feito?

O estudo foi conduzido da seguinte forma:

  • Quem participou? 

As mães responderam questionários detalhando seus hábitos alimentares, incluindo se consumiam bebidas adoçadas artificialmente todos os dias ou se quase não ingeriam esse tipo de produto.

  • Como os bebês foram acompanhados?

Os pesquisadores analisaram a microbiota intestinal dos bebês (as bactérias que vivem no intestino) e algumas substâncias na urina, coletando amostras em dois momentos: aos 3-4 meses e novamente aos 12 meses de idade.

  • O que foi medido?

O peso e a altura das crianças foram monitorados ao longo do primeiro ano para calcular o Índice de Massa Corporal (IMC) e avaliar se havia relação entre o consumo materno de BAA e o ganho de peso dos bebês.

O que os pesquisadores descobriram?

Os resultados do estudo indicaram que o consumo de bebidas artificialmente adoçadas (BAA) pela mãe durante a gravidez pode impactar o bebê de diferentes formas:

  • Bebês com IMC mais alto: os filhos de mães que consumiam BAA com frequência apresentaram índices de massa corporal (IMC) mais elevados aos 12 meses de idade, o que sugere um maior risco de ganho de peso desde cedo.
  • Alterações na flora intestinal: a microbiota dos bebês expostos a BAA era diferente da dos bebês cujas mães não consumiam esse tipo de bebida. Algumas bactérias consideradas benéficas, como as do gênero Bacteroides, estavam em menor quantidade, o que pode prejudicar o equilíbrio intestinal e influenciar o metabolismo.
  • Substâncias associadas ao ganho de peso: na urina dos bebês expostos a adoçantes artificiais, os pesquisadores encontraram níveis mais altos de succinato e espermidina, dois metabólitos que participam dos processos metabólicos do corpo. O succinato foi relacionado ao aumento do IMC infantil, sugerindo que essas alterações metabólicas podem estar ligadas ao risco de sobrepeso.

Esses achados reforçam que o que a mãe consome durante a gravidez pode afetar o peso do bebê, sua microbiota e  o seu metabolismo, com possíveis consequências para a saúde.

Por que esses dados importam?

A relevância do estudo está em mostrar que o consumo materno de BAA pode ir além de simplesmente “cortar calorias” no refrigerante. Ainda que sejam bebidas “sem açúcar”, essas substâncias parecem afetar a microbiota e certos processos metabólicos do bebê, o que pode se traduzir em maior risco de sobrepeso logo no primeiro ano de vida. Trata-se de um alerta para que famílias e profissionais de saúde avaliem de modo mais crítico a ideia de que “adoçante é sempre inofensivo”, especialmente quando se trata de gravidez e desenvolvimento infantil.

O papel da microbiota intestinal na saúde do bebê

Além de ajudar na digestão dos alimentos, a microbiota intestinal (conjunto de microrganismos que habitam o intestino) também é essencial para o bom funcionamento do organismo. Durante a infância, ela está em formação e, portanto, mais vulnerável a influências externas:

  1. Defesa imunológica: grande parte do nosso sistema imune é “treinada” no intestino. Bactérias benéficas colaboram para o desenvolvimento equilibrado das defesas do corpo, ajudando a prevenir alergias e infecções.
  2. Metabolismo e ganho de peso: os microrganismos intestinais participam do processamento de nutrientes, e desequilíbrios na composição da microbiota podem levar a um aproveitamento excessivo das calorias. Em bebês, essa desregulação pode ser um dos fatores que predispõem à obesidade.
  3. Formação inicial: o modo de nascimento (parto normal ou cesárea), a amamentação, o uso de antibióticos e a alimentação materna podem moldar os tipos de bactérias que vão predominar no intestino do bebê. Se, desde cedo, a microbiota sofre alterações bruscas, é possível que haja reflexos no peso e na saúde futura.

Recomendações e orientações práticas

Sabendo que a obesidade infantil pode começar a ser traçada ainda na gestação, faz sentido adotar algumas estratégias preventivas desde o início. Veja algumas dicas:

  1. Escolhas alimentares na gravidez
    • Prefira água e bebidas naturais: se possível, troque refrigerantes (mesmo os “zero” ou “diet”) e sucos artificiais por água, chás leves ou sucos naturais diluídos.
    • Modere adoçantes artificiais: converse com seu médico ou nutricionista sobre a real necessidade de adoçar café, chás e outras bebidas, e em que quantidade.
    • Variedade no prato: quanto mais rica e equilibrada for a dieta materna (com proteínas, frutas, verduras, legumes e grãos integrais), melhor para a formação do bebê.
    • Atenção à suplementação vitamínica: algumas vitaminas e minerais, como ácido fólico, ferro, colina e vitamina D, são essenciais na fase pré-concepcional, durante a gestação e no período de amamentação. Como a alimentação nem sempre supre todas as necessidades, a suplementação deve ser discutida com um profissional de saúde para garantir o melhor suporte nutricional à mãe e ao bebê.
  2. Hábitos saudáveis para o bebê
    • Aposte na amamentação: o leite materno é o alimento ideal nos primeiros meses de vida. Ele ajuda a formar uma microbiota equilibrada e reduz a necessidade de fórmulas ou de introdução precoce de outros alimentos.
    • Introdução alimentar gradual: quando chegar a hora de apresentar novos alimentos (geralmente aos 6 meses), priorize alimentos naturais, evitando produtos ultraprocessados.
    • Estímulo à atividade física: mesmo para os pequeninos, movimentos livres, brincadeiras e interação com o ambiente ajudam no desenvolvimento motor e podem, futuramente, estimular um estilo de vida mais ativo.
  3. Busque ajuda profissional
    • Acompanhamento médico: um pré-natal bem conduzido inclui discutir hábitos alimentares e esclarecer dúvidas sobre o consumo de adoçantes e outros aditivos.
    • Equipe multidisciplinar: além do obstetra, conte com nutricionistas e pediatras. Se houver histórico familiar de obesidade ou complicações, um endocrinologista pode ser acionado para um olhar mais específico.
    • Orientações personalizadas: cada gestante e cada bebê tem necessidades únicas. Evite dietas restritivas ou o uso indiscriminado de adoçantes sem orientação adequada.

Essas medidas, adotadas com consistência e orientação profissional, ajudam a manter o peso saudável do bebê e contribuem para que a família toda construa uma relação positiva com a alimentação.

Obesidade infantil e alimentação materna durante a gestação

Escolhas maternas que fazem a diferença

A obesidade infantil não é inevitável, mas entender que ela pode começar a se desenhar ainda na gestação é fundamental para preveni-la. O estudo que relaciona o consumo de bebidas artificialmente adoçadas ao aumento de peso e às alterações na microbiota do bebê reforça a importância de repensar tudo o que consumimos enquanto grávidas.

A mensagem principal é que a saúde do bebê começa a ser moldada bem antes de ele vir ao mundo. E, se por um lado essa constatação pode gerar medo ou insegurança, por outro, traz a oportunidade de fazer escolhas mais conscientes e criar um futuro melhor para a criança. Adotar um estilo de vida equilibrado e manter o diálogo aberto com profissionais de saúde é importante para quem deseja minimizar riscos desde cedo.

Referências

Laforest-Lapointe, I., Becker, AB, Mandhane, PJ, Turvey, SE, Moraes, TJ, Sears, MR, … Arrieta, MC (2020). O consumo materno de bebidas adoçadas artificialmente durante a gravidez está associado à microbiota intestinal infantil e às modificações metabólicas e ao aumento do índice de massa corporal infantil. Gut Microbes , 13 (1). https://doi.org/10.1080/19490976.2020.1857513

Obesidade infantil e alimentação materna durante a gravidez



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