Obesidade infantil e tempo de tela: o alerta que vem da ciência

A obesidade entre crianças e adolescentes é uma das maiores preocupações em saúde pública. De acordo com a World Obesity Federation, o número de casos deve dobrar até 2035, com impacto direto na qualidade de vida e no futuro da saúde das próximas gerações. No Brasil, a estimativa é de que uma em cada duas crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos estará acima do peso até essa data, segundo estudo publicado na revista Gestão & Cuidado em Saúde.
Diversos fatores contribuem para esse aumento, e entre eles está o tempo excessivo de exposição às telas. Muito mais do que uma questão de sedentarismo, o uso prolongado de dispositivos eletrônicos tem sido associado a alterações no comportamento alimentar, dificuldades para reconhecer os sinais de saciedade e maior interesse por alimentos ultraprocessados, especialmente quando as refeições são feitas em frente à TV ou ao celular.
A relação entre obesidade infantil e tempo de tela, inclusive, foi tema de debates recentes no XXI Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica de 2025, reforçando a relevância desse fator nas estratégias de prevenção e cuidado.
O que o maior estudo sobre adolescentes e tempo de tela revelou
Uma das pesquisas mais completas sobre o impacto do tempo de tela na saúde de adolescentes foi conduzida nos Estados Unidos e publicada pela JAMA Network Open. O estudo analisou os dados de 5.797 jovens entre 10 e 14 anos, avaliando dois comportamentos que fazem parte da rotina de quase todas as famílias: o tempo diário de exposição a telas e o nível de atividade física.
O objetivo era entender se o excesso de tela e a baixa movimentação estavam realmente associados ao ganho de peso e como esses fatores se combinavam.
Como o estudo foi conduzido
Os adolescentes usaram o relógio eletrônico por três semanas. Com ele, os pesquisadores calcularam a média de passos diários e classificaram os participantes em três grupos:
- até 6 mil passos por dia (baixo nível de atividade),
- entre 6 e 12 mil (nível intermediário),
- acima de 12 mil passos (atividade física elevada).
O tempo de tela também foi agrupado em três faixas:
- até 4 horas por dia (considerado moderado),
- entre 4 e 8 horas,
- mais de 8 horas diárias.
O que os dados mostraram
Cerca de 35% dos adolescentes estavam com sobrepeso ou obesidade. Mesmo entre os mais ativos, aqueles que passavam muitas horas nas telas continuavam apresentando risco aumentado de IMC elevado. Ou seja: movimentar-se bastante não foi suficiente para neutralizar os efeitos do uso excessivo de telas.
Da mesma forma, passar pouco tempo nas telas também não protegeu os adolescentes que se movimentavam pouco. Em outras palavras, é a combinação dos dois comportamentos que mais influencia no peso corporal.
O cenário mais positivo foi observado nos adolescentes que combinavam menos de 4 horas de tela por dia com mais de 12 mil passos diários.
Outro ponto importante do estudo é que o tempo de tela foi associado a padrões alimentares desatentos e maior consumo calórico, como fazer lanches automáticos ou comer por distração.
Por que isso importa para pais e cuidadores
Essa pesquisa mostra que não basta estimular as crianças e adolescentes a praticarem atividade física se o tempo que passam em frente a telas continua elevado, especialmente em momentos passivos, como maratonar vídeos ou jogos por horas.
Também traz um alerta importante: a saúde infantil precisa ser pensada de forma integrada, considerando o equilíbrio entre movimento, descanso e tempo de tela, e não tratando esses comportamentos como fatores isolados.
Comportamento alimentar também muda com o excesso de tela: o que mostra um estudo brasileiro
Enquanto pesquisas internacionais apontam o tempo de tela como fator de risco para a obesidade, um estudo realizado no Brasil trouxe uma nova camada a essa discussão: como o uso excessivo de telas pode influenciar diretamente o comportamento alimentar das crianças.
Publicado na revista Gestão & Cuidado em Saúde, o estudo avaliou 82 crianças e adolescentes com excesso de peso atendidos em um hospital público de Fortaleza. O objetivo era entender de que forma o tempo de exposição a telas estava relacionado à forma como essas crianças comiam.
O que foi observado
O resultado foi: quanto mais tempo as crianças passavam em frente às telas, maior era o interesse por alimentos calóricos e o desejo por bebidas açucaradas, além de uma capacidade reduzida de perceber quando estavam satisfeitas.
Essas alterações foram identificadas por meio de um questionário específico para avaliar o comportamento alimentar infantil. As crianças que ficavam muito tempo nas telas tiveram:
- Maior resposta a estímulos alimentares externos (como ver comida ou sentir cheiro, mesmo sem fome)
- Mais prazer em comer — especialmente alimentos com alto teor de açúcar ou gordura
- Desejo aumentado por bebidas açucaradas ao longo do dia
- Menor percepção de saciedade, ou seja, dificuldade para parar de comer quando o corpo já deu sinais de que não precisa mais
Comer em frente à tela também afeta o apetite emocional
Outro ponto de destaque no estudo foi o hábito de comer em frente à TV, ao tablet ou ao celular. Essa prática esteve associada a mudanças no apetite ligadas ao estado emocional da criança. Ou seja: diante de estresse, ansiedade ou tédio, o apetite pode aumentar (levando à ingestão em excesso) ou diminuir (levando à recusa alimentar), mas quase sempre de forma desregulada.
Essas reações emocionais, somadas ao tempo excessivo de tela, afetam diretamente o modo como a criança se relaciona com a comida. Isso aumenta o risco de obesidade e dificulta o desenvolvimento de uma alimentação equilibrada e intuitiva, algo essencial para a saúde ao longo da vida.
Por que esse estudo é tão relevante?
Esse trabalho brasileiro traz um recorte muito próximo da realidade das famílias no país. Mostra que o uso de telas vai além do sedentarismo: ele está diretamente ligado à forma como as crianças sentem, interpretam e respondem ao ato de comer.
Mais do que contar calorias, prevenir a obesidade passa por entender como e por que estamos comendo e, no caso das crianças, isso inclui ajudá-las a reconhecer a fome, respeitar a saciedade e construir uma relação saudável com os alimentos. E tudo isso pode ser prejudicado quando as telas estão sempre por perto.
Por que o tempo de tela é um fator de risco para a obesidade infantil
O tempo que uma criança passa em frente a uma tela está conectado a uma série de comportamentos que, juntos, aumentam o risco de obesidade. É uma construção silenciosa que acontece no dia a dia, dentro de casa, muitas vezes sem que os adultos percebam.
Veja como esse comportamento pode afetar a saúde:
- Menor gasto de energia: o tempo de tela, especialmente quando prolongado, substitui atividades físicas e brincadeiras. Isso reduz o gasto calórico diário, mesmo que a criança pratique algum esporte eventual.
- Aumento do consumo alimentar automático: é comum que crianças comam enquanto assistem à TV ou usam o celular. Nessas situações, o foco está no conteúdo da tela, e não nos sinais de fome ou saciedade. O resultado é uma alimentação distraída, que leva ao excesso sem que se perceba.
- Maior exposição à publicidade de alimentos ultraprocessados: vídeos e jogos online costumam incluir propagandas de produtos ricos em açúcar, sal e gordura. Essa exposição contínua influencia os desejos alimentares e as escolhas das crianças.
- Alterações no apetite emocional: como mostrou o estudo brasileiro, o uso excessivo de telas pode estar ligado a mudanças no apetite em momentos de estresse, ansiedade ou tédio, estimulando a busca por alimentos como forma de compensação emocional.
- Sono prejudicado: o uso de telas antes de dormir está associado a uma pior qualidade do sono, e dormir mal também está relacionado ao maior risco de ganho de peso.
Esses efeitos se somam e criam um ambiente propício ao excesso de peso. Por isso, limitar o tempo de tela não é uma medida isolada, mas parte de um conjunto de cuidados que ajudam a construir um estilo de vida mais equilibrado para as crianças.
O que pais e responsáveis podem fazer na prática
Controlar o tempo de tela não significa eliminar a tecnologia da rotina infantil, mas sim encontrar um equilíbrio saudável, especialmente para crianças e adolescentes que já apresentam excesso de peso ou risco de desenvolver obesidade.
Veja algumas atitudes que podem fazer diferença no dia a dia:
Estabeleça limites para o uso de telas
Organize uma rotina com horários definidos para o uso de celulares, TV, videogames e tablets. A recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria é clara:
- Menores de 2 anos: nada de telas
- De 2 a 5 anos: até 1 hora por dia
- De 6 a 18 anos: até 2 horas por dia fora do período escolar
Mais importante do que controlar o tempo exato é garantir que ele não tome o lugar de atividades importantes, como brincar, se movimentar, comer com atenção e dormir bem.
Desconecte as refeições
Evite que as refeições sejam feitas em frente à TV ou ao celular. Comer com atenção ajuda a perceber os sinais de fome e saciedade, promove uma relação mais consciente com os alimentos e ainda fortalece os vínculos familiares.
Observe os padrões alimentares
Fique atento a sinais como fome fora de hora, desejo frequente por doces ou excesso de bebidas açucaradas. Eles podem indicar que a criança está comendo mais por estímulos externos do que por necessidade real.
Estimule o movimento
Nem sempre é preciso matricular em uma atividade esportiva: brincar ao ar livre, andar de bicicleta, pular corda ou caminhar em família já são formas de movimentação importantes. O ideal é que a atividade física seja prazerosa e faça parte da rotina, não apenas uma obrigação.
Cuide do sono
Reduzir o uso de telas à noite ajuda a melhorar o sono, e dormir bem está diretamente ligado ao controle do apetite e à saúde metabólica.
Envolva toda a família
As crianças aprendem muito mais pelo exemplo do que por regras. Quando os adultos também se desconectam durante as refeições, reservam momentos para caminhar juntos ou reduzem o uso do celular, o impacto positivo é ainda maior.
Como a Belt Nutrition atua na prevenção da obesidade infantil
Falar sobre tempo de tela na infância é falar sobre um desafio real. Muitas vezes, os dispositivos ajudam a distrair, acalmar, entreter e são parte da rotina de famílias que fazem o melhor com o tempo e os recursos que têm. Sabemos que reduzir esse uso não é fácil, principalmente quando ele se mistura ao cansaço, ao trabalho e à correria dos dias.
Mas também sabemos que a exposição excessiva pode afetar não só o movimento, mas o modo como as crianças se relacionam com a comida, com o corpo e com o próprio bem-estar.
É por isso que, no Dia da Conscientização contra a Obesidade Infantil, reforçamos um compromisso: o de estar ao lado de quem cuida. Compartilhar evidências confiáveis, traduzir a ciência de forma acessível e apoiar a construção de hábitos mais equilibrados.
A prevenção da obesidade infantil não acontece de um dia para o outro. E a Belt Nutrition segue como parceira nesse caminho.
Referências
World Obesity Federation. World Obesity Day – Childhood Obesity. Disponível em: https://www.worldobesityday.org/. Acesso em: junho de 2025.
TARGINO , M. B.; BEZERRA, A. N.; SOUZA , L. M. de; LOURENÇO , E. W. R.; CARVALHO , A. B. de; MONTENEGRO JÚNIOR , R. M.; MAIA , C. S. C.; LOPES, S. C. Impacto do tempo de exposição às telas no comportamento alimentar de crianças e adolescentes com excesso de peso. Gestão & Cuidado em Saúde, Fortaleza, v. 2, n. 1, p. e13674, 2025. DOI: 10.70368/gecs.v1i2.13674. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/gestaoecuidado/article/view/13674. Acesso em: 2 jun. 2025.
SBP atualiza orientações para crianças e adolescentes na era digital. Publicado em 20 de outubro de 2023, o documento reúne recomendações atualizadas sobre o uso de telas por crianças e adolescentes, com foco em saúde física, mental e social. Disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/news/sociedade-brasileira-de-pediatria-atualiza-orientacoes-para-criancas-e-adolescentes-na-era-digital/
Nagata JM , Smith N , Alsamman S, et al. Associação da atividade física e do tempo de tela com o índice de massa corporal entre adolescentes dos EUA. JAMA Netw Open. 2023;6(2):e2255466. doi:10.1001/jamanetworkopen.2022.55466
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